Ela já se encontrava dentro do
elevador, quando uma mão veio bloquear a porta. Sentiu uma irritação profunda,
um pouco exagerada visto a situação. Sabia que deixar uma tal sensação
invadí-la dessa maneira só poderia lhe ser negativo. Acontece que desde pequena
gozava de um prazer imenso em se encontrar sozinha por um curto período. Num
passeio de elevador, num trajeto de ônibus, numa fila de espera. Acreditava que
precisamente nestes momentos singulares é que suas decisões mais importantes,
suas convicções mais profundas, seus sentimentos mais inconscientes tocavam a
superfície. Foi assim que deixou-se invadir pela irritação no instante em que percebeu
que alguém bloqueara a porta do elevador, e através deste simples ato, sua
oportunidade de submergir e subir à tona.
Mas como a totalidade dos segundos anteriores nunca tivesse
existido, um odor familiar veio apagar qualquer resquício de negatividade. O
homem entrou no elevador com um sorriso no rosto e uma baguete na mão.
Crocante, dourada, fumegante. Ela podia ouvir o barulho da casca do pão se chocando
no papel de seda. Como aquele homem tinha resistido à uma tal experiência? O
miolo derretendo no céu da boca, a dualidade de sensações opostas, a maciez interna
e a resistência do exterior, o calor da massa sonhando com a manteiga. Logo, o movimento
do elevador lhe pareceu lento e interminável… Tentou pensar nos acontecimentos
do dia, nas crises internacionais, na questão irrevogável do sono eterno. Nada
conseguiu atirar sua atenção; ela só tinha olhos para a ponta da baguete. Deitou
maldição na humanidade. Como podia existir um tipo de pessoa igual à esse homem ?
Não satisfeito em estragar a sua viagem « intra-estelar », ele se
negava a participar da mais extraordinária experiência gustativa existente na
realidade. Foi assim que, decidida à vingar a singularidade dos momentos insólitos,
esperou a porta abrir e abocanhou a ponta do pão ! Só não contava com a malícia do destino :
o homem desceu no mesmo andar que ela…
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