17 janvier 2013

Situação inusitada 1

Ela já se encontrava dentro do elevador, quando uma mão veio bloquear a porta. Sentiu uma irritação profunda, um pouco exagerada visto a situação. Sabia que deixar uma tal sensação invadí-la dessa maneira só poderia lhe ser negativo. Acontece que desde pequena gozava de um prazer imenso em se encontrar sozinha por um curto período. Num passeio de elevador, num trajeto de ônibus, numa fila de espera. Acreditava que precisamente nestes momentos singulares é que suas decisões mais importantes, suas convicções mais profundas, seus sentimentos mais inconscientes tocavam a superfície. Foi assim que deixou-se invadir pela irritação no instante em que percebeu que alguém bloqueara a porta do elevador, e através deste simples ato, sua oportunidade de submergir e subir à tona.
Mas como a totalidade dos segundos anteriores nunca tivesse existido, um odor familiar veio apagar qualquer resquício de negatividade. O homem entrou no elevador com um sorriso no rosto e uma baguete na mão. Crocante, dourada, fumegante. Ela podia ouvir o barulho da casca do pão se chocando no papel de seda. Como aquele homem tinha resistido à uma tal experiência? O miolo derretendo no céu da boca, a dualidade de sensações opostas, a maciez interna e a resistência do exterior, o calor da massa sonhando com a manteiga. Logo, o movimento do elevador lhe pareceu lento e interminável… Tentou pensar nos acontecimentos do dia, nas crises internacionais, na questão irrevogável do sono eterno. Nada conseguiu atirar sua atenção; ela só tinha olhos para a ponta da baguete. Deitou maldição na humanidade. Como podia existir um tipo de pessoa igual à esse homem ? Não satisfeito em estragar a sua viagem « intra-estelar », ele se negava a participar da mais extraordinária experiência gustativa existente na realidade. Foi assim que, decidida à vingar a singularidade dos momentos insólitos, esperou a porta abrir e abocanhou a ponta do pão ! Só não contava com a malícia do destino : o homem desceu no mesmo andar que ela…

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