21 août 2017

Pedaços da noite

Levantara com o gosto do sonho na boca. Cumpriu todos os rituais matinais, tentando se concentrar na própria existência. Mas pedaços de irrealidades e sensações vividas durante a noite cruzavam os afazeres, insidiosos. Pequenos curto-circuitos, faíscas oníricas. Negava a veracidade de tudo o que tinha “vivido” durante a noite, e no entanto tinha satisfação em sentir as imagens que lhe acompanhavam nessa manhã.

Entre outros acontecimentos, tinha este : o calor que o espaço imprimia no próprio corpo, as partículas flutuando no ar feito vaga-lumes, a claridade amarelada do ambiente, tudo lhe levava a pensar que aquele seria o lugar ideal para plantar o seu pé de abacate. Chegou até mesmo a dizer em voz alta “esse lugar me parece perfeito”, e espantou-se com a própria frase. A pequena semente, quase redonda, tinha dado lugar, ao longo dos anos, a um enorme galho cheio de folhas verdes que só fazia crescer e já alcançava o teto. Mas almejava mais. Ela é que não podia decidir-se em plantá-lo em outro lugar. No vaso, ela levava o abacateiro para onde fosse.

Tinha também uma lembrança extremamente agradável, saudosa, cheia de sentimentos que lhe preenchiam dos pés à cabeça. Uma promessa incumprida, uma inquietação agradável, um amor. 

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