29 septembre 2013

O estrangeiro


O estranhamento é feito tanto da proximidade quanto do afastamento. Uma espécie de encantamento. Estranho aquilo que não me é familiar, ou cotidiano. Algo que se assemelha à paixão. Querer que alguma coisa aconteça, e temer as consequências. Um movimento, uma rajada de sentimentos intensos, profundos e incertos. Estranhar algo é aceitar a incerteza. Ter a capacidade de deixar-se surpreender, largar mão, pôr-se à deriva. Poucos são aqueles que permitem o estranhamento. Agarrar-se nos poucos fios que acreditamos comandar, como se fossem feitos de matéria sólida. A hora de acordar, aquilo que vestimos, a música de nossa preferência. Assim vai a vida, cheia de futilidades aparentemente exatas. Futilidades que nós mesmos definimos e temos a impressão de escolher. Agarrar-se em poucas certezas, porque apesar de tudo, a gente nasce e morre. O tempo não perdoa. Assim vive a maioria, temendo e esperando a hora da morte.

Um dia, sem que batessem à porta, deixe-a sem trancas , escancarada. Não sei o que esperava, mas sentei de frente pra ela. Primeiro pensei num monstro. Talvez surgisse da escuridão, pulasse no meu pescoço, e então seria « nada mais ». Depois pensei na solidão, na velhice feita de amargor e apodrecimento. Quis levantar e fechar a porta, mas contive o impulso. Ouví ruídos. Eles se transformaram em rugidos. Depois foram os barulhos da floresta, um zumbido, um piado… o corredor estava infestado de vida. Fechei os olhos, esperando o momento iminente. Algo que me atingiria em pleno peito, sem aviso. Mas ao fechar os olhos deixei-me levar pela cantoria, o espaço se expandiu, já não havia mais paredes ou teto. Desgrudei da cadeira e comecei a correr, meus pés mal tocando o chão. Ia tão rápido que até mesmo o trovão não me alcançava. Pensei nos séculos, nas pátrias. Pensei em tudo, mas nada se definia. Eu corria, corria, quase me desfazendo, quase não sendo mais eu… Um estrondo ! O vento bateu a porta, e alí estava, sentada na cadeira, de frente para lugar nenhum. Apenas uma porta me separava do resto do mundo, do mistério da vida, de mim. E eu alí, esperando algo que tardava em me atingir.      

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