De um dia
para o outro, sem motivo aparente, as folhas que antes se impunham,
majestuosas, começaram a amarelar. Logo lembrei da barba branca do meu avô, que
um dia também havia mudado de cor. Assim como sua pele, e o branco dos seus
olhos. Uma
a uma, as dezoito flores magenta murcharam. Pendiam, cabisbaixas, em seus pequenos
galhos. Curiosamente esse acontecimento foi acompanhado da chegada do verão.
Durante o tempo em que meu avô-orquídea pareceu mais se comprazer em estar alí,
quando suas cores e formas se uniam numa harmonia evidente, eu o via perto da
janela a espiar o lado de fora. Isso foi
no outono, e os dias tornavam-se cada vez mais curtos, o céu cada vez mais
baixo, como se fosse nos esmagar o peso da tristeza. Mais de uma vez
pensei : « o que o alimenta ? Da onde tira esse brilho que
o faz destoar de tudo em volta ? ». Meu avô-orquídea, observando os
dias frios, era como uma pérola afogada na imensidão do mar. De mais a mais meu
avô estava morto, ainda que descansando temporariamente numa planta. A beleza,
essa maneira de existir destoando da tristeza do outono e da sua condição de
morto me fazia admirar meu avô, e a vida em geral. Porque mesmo nas situações
mais precárias, nos sentimentos mais rudes, nascia sempre uma suspeita de
esperança. Como uma maneira sútil de falar de algo mais, algo exterior, algo
além.
Hoje era
tudo em torno que brilhava, e ele que secava. Passei um tempo entristecida,
pensando se meu avô tinha se sentido ofendido : muita água, muita luz,
pouca atenção, poucos acontecimentos para olhar pela janela, visto que nestes
meses quentes a cidade se esvaziava… Uma outra hipótese surgiu quase como uma
revelação : talvez o meu avô-orquídea tivesse atingido uma espécie de
auge. A planta, e o meu avô morto, os dois juntos, não poderiam dar mais do que
aquela deslumbrante situação, como uma espécie de limite da transcendência. (Se
é que é possivel usar a palavra « limite » e
« transcendência » numa mesma frase). O espírito de meu avô e a
orquídea se separaram ; um movimentando-se de forma aérea em busca de
outra morada. A outra sendo apenas planta, até que um novo encontro
extraordinário aparecesse em seu caminho. As vezes me pergunto o que aconteceu
com o meu avô. Para onde foi ? A orquídea continua perto da janela. Mas a sua
única flor voltou-se para dentro, como se dissesse « sou apenas uma flor, nada
do que acontece nesse mundo me importa ».
Aucun commentaire:
Enregistrer un commentaire