Olho no
rélógio e penso : « uma hora ainda me pertence ».
Como se pudesse segurar o tempo com as mãos. Nesse amontoado de
intimidade e considerações, palavras jogadas como um tule sob o
abajur, impressões sem fim nem começo, nenhuma lógica, nenhum
sentido, nenhuma objetividade. Em meio a considerações
desimportantes et rebarbativas de uma individualidade que erra pela
Terra, surge a lembrança do meu broto de abacate. Durante um longo
período foi apenas um caroço de forma arredondada, sem perfeição.
Era marrom, sem convicção. Vivia num copo cheio de água amarelada.
Ele era uma existência insignificante assim como a minha. Mas um
dia, sem sol, sem luar, sem festividades, algo surgiu de dentro de
sua fenda escura e sem propósito. Como se renascesse de sua própria
ferida. E porque ainda havia de ter esperança – uma ponta, um
suspiro, uma gota, um milésimo – transformou-se numa segunda
existência. Como uma segunda chance. Cresceu. Verde, imponente,
cheio de suspeitas e de minúsculos desvios que mais tarde se
tornaram folhas. Da última vez que o ví pude admirar o transluzir
de um raio de sol sob suas folhas. Um verdadeiro espetáculo. Uma
singularidade em meio a tantas outras existências.
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