31 octobre 2014

Derrame



Esse sentimento de isolamento, de desencaixe. Os fatos seguem acontecendo, e eu, assim, desconjunta. Às vezes me sinto papel contact. Papel manteiga. E os traços de minha existência coincidem exatamente com os fatos. Uma linha sob a outra. Mas às vezes, sem nenhuma razão aparente, é como se eu desviasse de mim. A alma toma outro rumo. Ela viaja por recantos, experimentando sensações estranhas e instigantes.
Quando meu traçar coincide com a realidade, é como se eu fosse completa. Nada transborda, eu não me derramo, e se o meu contorno vai além, assim também vai a existência. Me sinto plena sem vazão, me sinto « vida », me sinto « ação ». Mas por vezes, ou por descuido, ou porque à alma não existe exceção, é como se eu desviasse do meu curso, como se descolasse de minha dimensão. E de repente não me reconheço, me pego sendo outra, observando tudo do alto, ou do avesso.
E assim sigo, de uma à outra condição, até que o dia chegue ao fim, até que a existência se desprenda de mim, até que eu não seja mais, em nenhuma situação.

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