Pensei naquilo que você ouviu ou viu, nos últimos dias. Será que pôde
reconhecer uma voz familiar? Lembrar de outros tempos? De quando era criança,
ou daquela época em que nos conhecemos, há não mais de quinze anos? Me pergunto
onde você está neste exato momento. Pairando no ar, feito vento? Num breu, numa
não-existência, uma espécie de buraco negro onde nada se sente? Você ainda é
você, ou tornou-se poeira, memória ou outra coisa que eu nem conheço? Me lembro
de você, como se ainda estivéssemos naquele contexto, apesar de outras coisas
daquela época se apagarem aos poucos da minha mente. Me lembro de como falava
comigo, da sua descrença e de um certo cinismo, que ajuda a remediar o
desemparado. Mas eu admirei você, com todos os defeitos e descrenças. Porque no
fundo acho que você acreditava em algo, sem saber bem no que. Talvez fosse
naquilo do que cada um é capaz, apesar dos inúmeros vícios e fraquezas. De alguma
maneira isso significa acreditar no próximo.
Será que mesmo quando não se acredita no metafísico, a gente pode
usufruir de uma eventual transcendência? Eu, daqui de onde me encontro, jogada
na banalidade da vida, espero que você ainda esteja em algum lugar. É esquisito
pensar que talvez você não esteja mais em lugar nenhum... Como podemos desaparecer
assim, um dia sim e outro dia nada mais? Um pedaço de unha, um pedaço de
lembrança, e nada mais... Mas quando lembro daquela época, em que eu,
jovenzinha, descobria um mundo além do perímetro do meu bairro, e você, já
vivido, tornava-se cada vez mais incrédulo ao mesmo tempo em que se aproximava
da verdadeira essência da Humanidade, é como se estivesse em algum lugar.
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