Essa
noite sonhei que você estava bem alí, ao meu lado, gelado como um cadáver.
Magro e branco. E ainda assim se agarrava em mim, segurava o meu braço. E o
mais extraordinário : aquilo me agradava. Uma mulher tentava, de maneira sutil
mas com empenho, puxar-te para longe. E como o seu esforço não surtia efeito,
abraçou-nos os dois, e disse algo como “ah! A sua querida...”. Talvez o sonho
seja um indício : logo mais esse sentimento (circular, de consistência densa e macia,
inteiriço) desaparecerá. Poderemos enterrá-lo. Mas até lá, quase não explico a
mim mesma o sentimento de plenitude que o seu braço, ainda que frio, fraco e
branco em demasia, provocou em mim.
Toda vez
que me surge, antes em carne e osso, hoje numa visão, você é assombração.
A mim me
parece que a nossa vida é feita dessa procura incessante pelo mistério.
Alcançar aquilo que não conhecemos (sem cheiro, sem corpo, sem voz), tocar,
ainda que de maneira breve, aquilo que não nos foi revelado. Procuramos almas
invisíveis. Uma existência pressentida, e no entanto ignorada... Talvez, depois
da morte, outras vidas. Talvez uma razão. Uma evolução, uma luz, uma plenitude,
uma imensidão qualquer. Mas talvez (e muito provavelmente) apenas uma
distração.
Quando em
vida, você era um mistério para mim. Por mais que quisesse me aproximar da
Humanidade, entender outrem, não desvendava as suas razões. Um dia sim, um dia
não. Um dia noite, um dia dia. Um dia meu, um dia d’outras. Um dia aqui, um dia
lá. Seus movimentos me davam náuseas do alto mar. Eu, pequeno ponto na
tempestade. O céu carregava-se de nimbos, que antes mesmo de desaguarem feito
tromba, pareciam formar um panorama revolucionário.
Nós, aqui, ocupando todo o
espaço, alinhavados em problemas e esperanças. Contamos o tempo, separamos os
períodos, classificamos os acontecimentos... mas nada de escutar um sinal vindo
de outro lugar. Apesar de todo zumbido, o silêncio abissal do que nos circunda.
Se eu
fecho os olhos bem forte, se me concentro, se a evidência pedante da realidade
me concede o tempo de um suspiro; se todas essas condições se reúnem ao
vaga-lume presente na alma, consigo quase te tocar. Um, dois, três... volto a
sentir os olhos fechados, as pálpebras pesadas e presentes. Aperto os olhos,
quero estar neste “algum lugar”. Desiludo. Durante o dia uma coisa e outra
ainda suscitam a sua imagem, mas o que prevalece (assim como numa dinâmica mais
abrangente: o universo, a termodinâmica, o destino de todo pedaço vivo de
matéria) é a frieza do que a morte embala.
Parece
que de nada servem nossos enormes telescópios, robos teleguiados, missões
espaciais. Por vezes um fato torna-se um começo de alguma coisa (luzes
estranhas, uma frequência, a sombra de uma foto...). Mas a coisa sempre acaba
por se transformar em história. O silêncio do espaço cai sob nossos ombros. Abáfa-nos. Excessivo, o manto da solidão. Nascemos de
uma coincidência tão insignificante, sem ganas de reproduzir-se. Exigimos uma
explicação. Mas ela não vem, ou não existe. Sobre a vida (e o seu fim) nem sombra
de uma mínima razão.
Existe o
conhecido, e o outro lado. Na maior parte do tempo me contenho nesse espaço
denominado realidade. Mas ocorre, algumas vezes, de eu ter a sensação de outro
lugar. Um sem nome. Impossível. Enquanto resultado de uma coincidência
insignificante, me abstenho. E no entanto, persiste em mim a fissura, como uma
passagem secreta na qual eu mesma poderia me abismar. Quem sabe não é aí que
você mora agora?
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