01 juillet 2017

O equilibrista

Ele se preparava para repetir a mesma ação que tinha feito o seu renome, e que já havia realizado umas tantas vezes. Tudo isso requeria muito treino. Todos os dias tentava equilibrar as palavras no fio. Acordava, saía para correr, tomava um bom café e logo retomava a atividade incompleta do dia anterior. Continuava de onde tinha parado, nunca voltava ao começo, até terminar de percorrer a corda toda. Não havia formação para esse tipo de atividade. A única coisa a fazer era observar como faziam os outros, praticar. E claro, inquirir sobre a própria ação e os objetos à sua volta. Mas isso valia para qualquer outra atividade. Ninguém tinha lhe transmitido um savoir-faire, nenhum membro da sua família tinha sido equilibrista como ele. Muitas vezes sentia-se só. Mas isso também fazia parte de toda existência. Tinha ouvido a história de um tataravô, pessoa excêntria, ex-treinador de cães de corrida, ex-condutor de submarinos, se convertera em caçador de baleias. Acabou a vida numa pequena cidade de algum país da América Latina, usando tweed com estampa escocesa, como mandava a tradição, sob o sol de 32 graus.

Os dias, definitivamente, não eram iguais. Apesar da rigidez que impunha à si mesmo, o equilíbrio não lhe dava o ar da graça sempre que o desejava. Porém, enquanto escritor, sempre desejava o equilíbrio. Não almejava a constância da forma, nem a clareza do conteúdo. Cada vez que se sentava à escrivaninha (ou na mesa da cozinha, ou no banco do metrô, ou onde quer que estivesse, com um caderno e uma caneta na mão), esperava que o componente misterioso e mágico da criação viesse entremeter-se naquilo que tentava colocar em cima do fio.

Um pedaço de música lhe veio à cabeça. Sobre uma atriz equilibrista, cujo público, admirando o espetáculo e acostumando-se à prestação, deixava-a por um fio pela força do próprio tédio. O escritor emocionou-se com o destino da atriz. Sentia-se encurralado como ela. Tamanho esforço para equilibrar as palavras, mas o público sempre exigente, pedindo mais. Das outras vezes essa exigência tinha sido para ele como lenha na fogueira. Trabalhou mais, treinou incessantemente, repetiu os mesmos gestos um número incontável de vezes.

Sentou na cadeira como se tivesse percorrido um deserto à pé. Se esparramou pelo acento, pequeno quadrado de madeira, que lhe servia de sustentação para o peso do próprio cansaço, da angústia, da solidão. Deixou-se estar. Nada lhe veio à cabeça nem às mãos. Nenhuma idéia ou sensação. Um homem, sozinho, diante da possibilidade da queda. Despiu-se do supérfluo. Posicionou-se. Tentou insistir numa idéia. Pensou que o nervosismo – uma sensação que parecia apertar o próprio estômago com as mãos – era salutário em situações decisivas. No fundo sabia que aquele seria o último passo. Respirou fundo, começou a equilibrar uma palavra depois da outra, consciente de começar um caminho sem volta. De imediato as coisas pareceram funcionar, como das outras vezes. Enganou-se com a ilusão do controle dos próprios movimentos. Mas o medo não se dissipou depois dos primeiros passos, a imaginação não apareceu para sustentar o que vinha em seguida. Desta vez a harmonia não lhe concederia a força de flutuar sob o fio. Extensão tênue do caminho necessário da alma, feito embuscada. Caiu. O que lhe faltou, não se soube. Vontade de ultrapassar à si mesmo, coragem ou sorte.    


Bilhete encontrado em cima da escrivaninha, escrito num pedaço de papel de pão:


“O prazer de escrever é para mim tensão. Funambulismo. Um texto que resiste é um prazer cheio de obstáculos e esforço. No que bem pode se transformar? Segue por esse caminho, ou por um outro? Quantas vezes deverá ser refeito, relido, rasgado? Se tornará um objeto à parte? Às vezes trata-se apenas de uma questão de harmonia dos movimentos. Tento evitar gestos bruscos. Uma questão de dosagem da força e da douçura. Tudo isso para alcançar algo apenas aparentado à sutileza. Mas outras vezes não é o texto que resiste. A corda, pronta, espera pela ação. Mas nada surge que se possa colocar-lhe em cima. Simplesmente não se tem nada para contar. Amontoar umas palavras, como alguém que sobe na corda, e não encontrar razão para dar um passo sequer para frente. Ficar alí, no mesmo lugar, equivale à queda.”     

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