Um pensamento estranho
: talvez seja mudo? Talvez nunca tenha formulado frases especiais, apaixonadas,
ou até mesmo pequenas frases de acalanto, simplesmente porque não faz uso das
palavras? Não sabe para que servem, pensa que são coadjuvantes. Estão aí para
pedir um café, perguntar “quanto custa”, falar sobre o tempo, dizer bom dia e
obrigado. Pensa que as palavras não estão à altura. Que tudo o que sente
(porque sente profundamente o amor, a tristeza, a saudade) não pode, de maneira
alguma, se transformar em pequenos símbolos desprovidos de consistência, de
textura. Gostaria de pegar os sentimentos na mão. Principalmente o amor. Que
fosse um objeto, que pudesse mudá-lo de lugar, colocar debaixo do travesseiro,
levar consigo para o trabalho, esquentar com o calor do próprio corpo. E por
vezes lhe fazer violência, jogá-lo contra a parede. Se o amor fosse um objeto,
no momento em que fosse perdê-lo, seria como esquecer as chaves, ou o
guarda-chuva. Tinha quebrado o amor, e reconstituído o objeto. E agora o tinha
perdido. Apenas isso. Acontece com as pessoas e os objetos todos os dias. Mas
as palavras, que podiam as palavras? Dar conta dos detalhes? Da maneira como a
ausência lhe doía em diferentes partes do corpo? Como o fato de cortar o dedo,
ou bater numa cadeira, de repente, lhe remetiam à própria situação, condição
solitária, e faziam surgir lágrimas nos olhos? As palavras dariam conta da extraordinária
possibilidade de transposição, do esquecimento de si que o amor lhe
proporcionara? Da leveza? Do infinito? Do sentimento difuso, quando segurou
pela primeira vez a sua mão?
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