O diretor falava havia
mais de duas horas. Fazia de conta que anotava pontos importantes enquanto
rabiscava a folha, sem razão. As palavras entravam e saíam da sua cabeça.
Algumas idéias ecoavam, remetiam à outras coisas, mas tudo não passava de uma
imagem embaçada. Os colegas intervinham de vez em quando. Olhou um instante a
porta da sala de reunião, o dia ia escurecendo, uma tempestada estava prevista
para as 11h57. O gosto do café se dissipava com o tédio. Do canto do olho
avistava a vizinha, de outro departamento. De repente, ela estremeceu feito
pássaro pequeno. Assim como quando dizemos que um espírito passou, ou um anjo. Ainda
que não visse todo o seu corpo, a presença encoberta em panos coloridos, com um
pedaço da coxa e o ante-braço à mostra, lhe causou uma intensa sensação de
fragilidade. Talvez realmente fosse um passarinho, caído do ninho, travestido
numa mulher. Assustara-se com a brisa que entrara pela fresta da janela,
anunciando a agitação antes da tempestade. Continuou rabiscando a folha, contente : ainda era capaz de reconhecer uma pequena ave, mesmo sem
penas.
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