23 juin 2022

Ambiguidade

Acordou com a sensação de outro lugar. Levantou, como se estivesse em casa. Era uma terça-feira, o sol tinha aparecido cedo. Continuou os afazares, mas naquela manhã, dois sentimentos se opunham : a melancolia desse outro lugar onde tinha passado a noite, e todo o amarelo à sua volta, lhe chamando para o instante presente. Gostaria de estar num e noutro. Da escuridão saíam formas e cheiros conhecidos, sensações antigas, certezas esquecidas. Ao estar neste outro lugar, ficou com o corpo impresso de transcendência. Já não era mais si mesma, já não tinha mais idade, o tempo era absoluto e inexistente. Mas de onde estava, quando entre uma tarefa e outra aparecia no reflexo do vidro, podia olhar pela janela e observar a luz que passeava pelas folhas, levada pelo vento. Os insetos riscavam o ar, o calor fazia o silêncio, mas risadas distantes e o bater de um sino faziam aparições esporádicas. Tinham intensidade, e lhe traziam ao lugar ao qual pertencia. Tentou sentir os dois ao mesmo tempo, mas temeu a neutralidade. Talvez um anulasse o outro. Se ao menos pudesse escolher se encontrar neste outro lugar quando bem entendesse. Mas não sendo um lugar específico, nada podia fazer para retornar. Apenas pelo acaso. Por isso nessa mannhã de terça-feira relutava em deixar a melancolia da noite, para se perder no fio cotidiano.   


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