- Esse não é o bolo que eu encomendei.
A moça deu a volta no balcão, com um caderno
sujo de farinha. As duas olhavam para dentro da caixa feita num papelão
pistache, a tampa e o laço encostados de lado. Não fosse pelo cheiro de amêndoa
e baunilha, poderiam estar admirando um par de sapatos numa loja de grife.
- Aqui está marcado “floresta negra, sem
cereja, 16h00”.
Olhou o relógio e aproximou a caixa para ter
certeza da ausência das cerejas. Não demonstrava impaciência, mas uma fila ia
se formando, e duas outras atendentes iam de um lado pro outro, sem resultado
aparente.
- Essa mensagem não é para mim. Enfim, eu não
ditei isso aí.
A moça pegou o telefone. “Ela diz que tem um
problema com o bolo. Não, a mensagem. Sim.”.
-Qual era a sua mensagem?
- “Com amor”.
A moça explicou que aquele era o último bolo, o
confeiteiro já tinha ido embora.
- Houve uma troca. Eles não devem ter prestado
atenção.
Com a caixa no banco do passageiro, a mulher
colocou a chave na ignição, mas não deu a partida. Talvez fosse possível cobrir
o final da mensagem, mas lembrou que o supermercado já tinha fechado. Não podia
cortar um pedaço do bolo. Pensou em apresentá-lo daquele jeito. Imaginou o
marido tomando o último gole de vinho, dizendo que não queria comemorar com os
colegas, e ao pegar a faca, toparia com a mensagem. Talvez não fizesse nenhum
comentário. O mais provável é que lhe cobrasse, “que idéia é essa?”, e
discutiriam mais uma vez sobre os filhos. Não era o que a mulher tinha
planejado. Tinha dito para ele não chegar tarde. Queria marcar o momento,
fazê-lo sentir-se confortável, alegre com o que aconteceria dali pra frente. Pensou
nos filhos. Ligou o carro, e as lágrimas lhe embaçaram a vista. Foi tomada por
soluços e por imagens : a primeira casa em que tinham morado, o Natal de cinco
anos atrás, o laço do bolo, uma luminária em forma de elefante... Não sabia definir
o momento em que aquela frase tinha passado a não fazer mais sentido para eles.
Outras tantas frases poderiam ter perdido o sentido. Imaginou o seu bolo no
centro de uma mesa grande, o barulho vindo da cozinha, do quintal, do salão de
pessoas desconhecidas. Comiam com gosto. Em menos de um mês o marido pararia de
trabalhar, e então, seriam só os dois. Pensou em ligar para os filhos, e
lembrou que era o meio da noite em Seattle. Ou seria Portland? Ainda que um dos
dois atendesse, nenhuma palavra parecia adequada o suficiente. Saiu do carro,
abriu a porta do passageiro, e como se desistisse de dar carona a um
desconhecido, tirou o bolo do banco. Encostou a caixa na porta da confeitaria e
desejou que alguém, quelquer pessoa, aproveitasse do chocolate, da mensagem, da
ausência das cerejas.
Aucun commentaire:
Enregistrer un commentaire