Ainda durante a sessão de cinema, assistindo o último filme do Woody Allen, talvez mesmo no começo do filme (talvez ele nem tivesse começado ainda, e eu estivesse apenas lendo o nome dos atores sob o fundo preto), me veio um pensamento estranho. Foi na verdade uma sensação de melancolia extrema diante da idéia de que quando o Woody Allen morrer, não haverá mais um novo filme do Woody Allen. Hoje em dia essa afirmação é menos pretenciosa do que politicamente incorreta. Não devemos mais gostar de filmes do Woody Allen porque talvez ele tenha abusado sexualmente da afilhada (ou filha?). Me parece que ele foi julgado e absolvido, mas não tenho certeza. Tenho lembranças do escândalo quando ele assumiu o namoro, e casamento com a própria afilhada (uma outra) adotada pela ex-mulher, com quem tem filhos, se não me engano. Tudo isso é muito distante de mim para me fazer tomar a decisão de não assistir mais os seus filmes, que são geniais. Quando ele morrer, e não houver mais novos filmes do Woody Allen, eu poderei assistir todos os seus filmes, alguns de novo, alguns pela primeira vez, porque são muitos, e porque não os conheço todos. Mas uma vez que eu fizer isso, não poderei mais ver nenhum novo filme do Woody Allen. Ninguém mais protagonizará esse personagem chato, que faz perguntas existências e é hipocondríaco. Os outros não parecerão mais fúteis, ou preocupados com coisas sem importância. Não haverá mais alguém que quer realizar uma grande obra, que existe apenas em idéia. Nem as menções sobre Dostoiévski, Albert Camus, Paris no outono, Pasolini, Fellini, Bergman, Truffaut, os escritores americanos amorosos de Paris. Não haverá mais o diálogo com a morte, e a razão absurda da existência. Ou uma espécie de descaso religioso de quando o desejo dos filhos era se emancipar das regras de qualquer dogma moral. Quando o Woody Allen morrer, não haverá mais o seu duplo afirmando vigorosamente que gostaria de permanecer vivo, porque não sabemos se tem alguma coisa depois, e na dúvida é melhor guardarmos aquilo que conhecemos. Eu dei risada nesse último filme do Woody Allen. Mais até do que nos outros. Eu fiquei pretenciosamente feliz com o comentário do seu duplo (que dessa vez me pareceu mais simpático, menos ansioso), quando disse que um de seus lugares preferidos era a fonte de Saint Michel no outono, porque eu estava a poucos passos dali, e tinha descido uma estação de metrô antes para passar na frente da fonte de Saint Michel. Também tive a impressão que cada personagem encarnava o duplo de alguém, que ele dizia que no fim somos todos iguais, que vivemos experiências iguais, e que seremos substituídos por outras pessoas. E isso se opôs ao pensamento esquisito que eu continuei tendo, ainda mais melancolicamente, que um dia eu não poderei mais ir no cinema assistir o novo filme do Woody Allen.
Aucun commentaire:
Enregistrer un commentaire