A estrada
parecia não ter destino, mas continuávamos seguindo há alguns metros de
distância, um do outro. O carro preto de modelo simples devia estar rodando na
mesma velocidade que eu, pois sua traseira mantinha um tamanho constante.
Apenas um ligeiro movimento para os lados, e as faixas brancas se sucedendo
rapidamente no retrovisor e no espelho do passageiro quebravam a monotonia da
viagem. Pela forma geométrica do vidro de trás era possível perceber um vulto
tombado à direita. Uma pessoa de grande porte, mergulhada num sono profundo. Do
lado de fora árvores, cercas, postes e a barreira de segurança também tinham se
transformado em vultos, os últimos detalhes iam se apagando à medida em que a
estrada ia ficando pra trás. Mais ao longe, grandes montes contrastávam com o
céu, ambos escuros. Nessa hora apenas uma imagem aparecia colorida, além do
farol do freio: no retrovisor do carro preto uma mulher de cabelos
descoloridos, cacheados, e lábios escarlates. E nas lentes de seus óculos espelhados,
um céu explosivo. Nuvens em rajadas atravessavam em todas as direções, mas a
claridade insistia em estar presente. Camadas de rosa se sobrepunham umas às
outras, indicando algo extraordinário, que acabara de deixar o espaço das
lentes. A cena arrebatou minha atenção. Me impregnei dos tons, e foi como se me
levassem para além dos elementos.
Alguns
quilómetros adiante o carro preto desviou da faixa contínua e desapareceu numa
saída à direita, sem nenhum aviso. Quando dei por mim, dirigia no meio da
estrada. Liguei o farol alto, buscando por precisão. Pela realidade que se
manifestara nos óculos espelhados. Apenas o feixe amarelo se opunha ao asfalto.
A estrada que seguia me pareceu vazia.
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