Cruzei com ele numa rua arborizada, a sombra
das árvores escurecendo o dia brilhante. Certamente todos que moravam por
aquelas ruas, ou até mais longe, já o tinham visto pelo menos uma vez. Mas
talvez não prestassem atenção. Eu o cruzava frequentemente. Ia, como de hábito,
com uma calça e um paletó pretos. Tinham cortado o seu cabelo, bem rente ao
crânio, estava quase careca e aquilo não lhe caía bem, lhe dava aparência de
louco. “Certamente se dirige ao supermercado”, pensei. Seguia naquela conversa
infinita. Pensei se também conversava quando dormia. Me admirava sua capacidade
de encontrar tanto assunto. Devia prestar muita atenção nas coisas, nas
pessoas, ou então evocava outra época, lembrava de impressões e acontecimentos
que tinham ficado pra trás. Acontecia frequentemente de eu sair pra comprar uma
couve, ou um filé que faltavam para o almoço, e avistá-lo no corredor de
produtos lácticos. Era ali que ficavam também os ovos. Era possível avistá-lo
em outros corredores, por exemplo o de bolachas, farinha, açucar. Ou o corredor
de café, chá e produtos do café da manhã, mel, geléia, chocolate em pó,
cereais. Mas cruzando com ele ao longo dos anos me veio esta certeza que o seu
produto predileto eram os ovos. Não sei se tanto o produto, ou mais a
embalagem. Muitas vezes devia ter sido expulso de supermercados e lojas de
conveniência, ou ouvido reclamações dos clientes. Porque diferentemente das
outras coisas, não se contentava apenas em alinhar as embalagens. Ele tocava os
ovos, punha-os numa certa disposição, como se tivessem olhos e olhassem todos na
mesma direção. Aquilo não tinha importância, ninguém comia a casca do ovo. Mas as
pessoas não gostavam, de repente lembravam que lhes faltava papel higiênico, ou
detergente, do outro lado da loja. Eu, ao contrário, tinha certa fascinação. Me
dava a impressão que, como as galinhas se a oportunidade lhes tivesse sido
oferecida, acalantava os pintinhos inexistentes. Fechava-os cuidadosamente no
escuro do papelão, para que ficassem apertadinhos e contidos. Depois recolocava
uma caixa em cima da outra, separando as de seis e doze ovos em pilhas
diferentes, a abertura virada para o mesmo lado. À medida em que avançava no
trabalho, seguia sua conversa infinita, e no momento em que dava um passo para
trás, talvez admirasse o feito e fizesse um comentário sobre a continuidade perfeita
da linha desenhada na primeira caixa, que seguia caixa abaixo, da primeira à
última.
Conversando com uma vizinha, descobri que ele
vivia no bairro há muito mais tempo do que eu. Que perambulava pelas
prateleiras dos supermercados antes mesmo da abertura da estação de metrô, que
tornara o lugar mais atrativo e populoso, há mais de vinte anos. Que nunca o
tinha visto com uma suposta filha, ou irmã. Que até onde lembrava, tinha usado
a mesma calça e paletó, ou bem mudas de roupa do mesmo modelo e mesma cor. “Está
sempre arrumado” eu disse. “De fato”, ela me respondeu. Que nunca o tinha visto
comprar nada, nem entrar por nenhuma porta, a não ser a dos supermercados. Dentre todos os mistérios, apenas um me
incomodava particularmente: quem tinha decidido lhe cortar os cabelos daquele
jeito, tão rente?
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