25 mai 2024

Menino

As pessoas estavam à caminho do trabalho, e você provavelmente da escola. De certo atrasado, não havia uma criança no vagão de metrô. Você entrou imponente, encarou a mulher sentada na diagonal com um sorriso malvado, mas depois esqueceu e voltou a jogar no celular. Apesar do frio, ia sem meias, ou eram bem curtas deixando as canelas descobertas. Sua calça devia ter tido o bom comprimento há dois anos atrás, mas apesar de ter crescido, seu corpo dançava dentro das roupas. Arrepiou-se, percebeu que estava de camiseta curta. Voltou a encarar a mulher, porque viu que ela não conseguia desviar o olhar. Dessa vez você a desafiou, assumindo sua condição, jogando na cara dela “eu te desagrado?”. Mas isso só foi em postura, você até quis criar caso, só não encontrou um gancho. Além disso a mulher te olhava de um jeito doce, como acontecia de vez em quando. E sem poder assumir a idéia, você sabia no que ela pensava quando te via. As pessoas tinham dúvidas, porque tinha um celular e roupas mais ou menos usadas, e não andava sujo. Era outra coisa que falava sobre você. Algo transparente que parecia carregar, um menino e seu encosto. Não tinha jeito de se desgrudar desse outro. Na verdade as pessoas viam coisas bem concretas como suas unhas compridas, a falta de luvas e cachecol, de um aparelho dentário ou de um lanche embrulhado em papel alumínio. Porque disso você não podia desconfiar: cortar e limpar as unhas de uma criança dizia muita coisa sobre o amor.

A mulher levantou e veio em sua direção, e você arregalou os olhos, tentou uma expressão de audácia que pudesse fazê-la se afastar. Ela chegou bem perto e você, sem reação, se inclinou para trás para ver para onde iam as mãos dela. A mulher juntou uma ponta do casaco na outra e fechou o zíper. Te deu um sorriso enternecido, passou a mão na sua cabeça e saiu. Sentado, você ficou com os olhos cheios e os braços moles. Nunca um gesto tinha feito com que se sentisse tão abandonado.

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