Sou uma dessas pessoas que não consultam a previsão do
tempo antes de sair de casa. Com o aquecimento global e a tecnologia de ponta
dos instrumentos de medida, essa seria a atitude mais sensata a se tomar. Um hábito
salutífero. Atualmente os dias podem ser extremamente quentes ou frios, em
qualquer estação. Eles podem ser secos numa semana, e na semana seguinte
diluviais. As ruas alagam, o campo queima. Essa questão da previsão seria mais
simples se por “aquecimento global” pudéssemos entender “dias mais quentes”.
Mas em se tratando do clima, a escala à qual o termo faz referência é a escala geológica.
Do alto da nossa pequena individualidade egocêntrica, o termo “aquecimento
global” nos induz à um desvio semântico. A temperatura da
Terra aumenta rapidamente, mas no plano individual, o efeito é a variação irregular e extrema. É por essa razão que
minha mãe me disse outro dia que numa noite de inverno foi dormir com 28 graus
e acordou com 12. É também por isso que ouvimos comentários desavisados como aquecimento
global com esse frio? Um desvio semântico que acaba por afundar
um senso crítico atrofiado, ou
um espírito desinteressado.
Mas ainda que “aquecimento global” evoque uma imagem mais
ou menos exata na minha cabeça, não me dou ao trabalho de consultar a previsão
do tempo. Olho pela janela, às vezes vou até a sacada. De manhã, saindo das
cobertas, sempre tenho frio. Se está escuro, nenhuma conclusão me vem à cabeça.
Se o dia já despontou, tenho sempre a esperança de um equilíbrio, onde quer que
se situe.
Assim, incapaz de chegar a uma certeza, ponho a roupa
que desejo, segundo o meu humor. É logo na porta de casa que percebo os
primeiros indícios da temperatura do dia. Saias esvoaçantes e pés desnudos
significam uma tarde entre vinte e trinta graus. Se levam uma blusa nas costas
ou nas mãos, abaixo de vinte e quatro. Se saem apenas com a bolsa ou a mochila,
ou a sacola do computador, acima de vinte e quatro. Casacos mais pesados sem
cachecóis, frente fria entre 16h e 18h. Luvas e gorros nunca enganam, a
temperatura não passará dos dez. Acontece de um par de luvas aparecer fora de época,
mas em se tratando de um indício isolado, não tem efeito estatístico.
Como toda previsão, esse método tem sua margem de erro. Casacos e sandálias andando lado a lado indicam instabilidade. Nenhuma antecipação do futuro é perfeita. Ainda que a probabilidade que algo se repita seja alta, nada é cem por cento certo tirando a morte. É a visão dos guarda-chuvas que invariavelmente me provam que o método é confiável, mas de pouca eficácia no meu caso. Do lado de fora o céu está limpo, o asfalto seco, o contorno bem definido, cada coisa e pessoa pertencendo a si mesmas. Mais tarde, quando a água surgir das nuvens escuras e pesadas, e tudo se encharcar tornando-se um amálgama de matéria, eu não escaparei ao fenômeno e minhas roupas ficarão molhadas, assim como os meus cabelos e pés. Apenas os guarda-chuvas salvarão seus donos da precipitação, potencialmente provocada pelo aquecimento global, ainda que a chuva seja fria e fina.
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