As palavras ecoavam, provocavam ondulações baixas e compridas. O vimos avançar tal um mastro de navio. Se chocavam nas ondas que tinham origem em mim, na minha corpulência, e mudavam de direção. Eu curvava uma parte, e outra, e mais outra, e também mudava de direção. Apesar do peso da profundeza me movimentava sem obstáculos, e assim também as palavras seguiam se chocando em outras ondulações e voltavam. Derrubava tudo sob o seu caminho, mesmo as árvores e as cabanas. Me agradava avançar deslizando, me opondo ao fluído pesado, a força do meu corpo contendo a vontade da água de ocupar o espaço.
Ali no fundo não existia o tempo, nem a nitidez dos contornos. Mas a vibração da água produzia imagens, e assim eu via outras corpulências. E claro, as palavras. Seus assobios, ou melhor, seus gritos arrepiavam quem os ouvia. A tudo isso eu preferia o toque. Acontecia, ainda que raramente, de outra grande corpulência encostar em mim. Era uma implosão, um desregro. Me agradava a resistência de outro corpo. Sua rugosidade suspendendo momentaneamente a fluidez. E sobretudo o que antecedia o encontro : uma perturbação ampla com frequência alta, cada vez mais forte e concentrada. Depois, sobrevinha um vazio. Um vaguear. Queria me desfazer, me fundir na fluidez. Até que a calmaria da água me trazia de volta as palavras. Elas punham as coisas no lugar. Sua cabeça era tão grande quanto um barril, e o seu corpo, de mesma proporção, se levantava acima das ondas numa altura considerável. Então seguia, oscilando.
Essa parte, se levantava acima das ondas, era misteriosa para mim. Talvez porque ecoassem desde tempos imemoriais, as palavras tinham mudado de sentido. Ou fosse essa apenas uma imagem. As ondas eram parte de mim, me balançavam, e tinham origem em mim. Aquilo continuava ressoando, ia e vinha. E isso foi assim, até que chegamos no começo.
Vibrações, cada vez mais amplas, criaram uma imagem disforme. A frequência aumentava desarmonicamente. Vinham de baixo, do lugar mais profundo, de um epicentro. Foi de repente que uma força desconhecida tomou uma direção, levando tudo consigo. Minha corpulência foi rapidamente puxada pra cima, mas a ascensão me pareceu longa. As coisas foram se tornando surpreendentes, ganhando contorno, se separando umas das outras. Pela primeira vez eu vi as coisas, a intensidade da luz.
Me encontrei numa altura inimaginável. Voava. Via tudo à minha volta, pequenas presenças em cada lugar, cada uma de uma forma. Depois, foi a queda. Violenta. Fora da água o toque era doloroso, a rugosidade afiada, quase insuportável. A água se espalhou por todo lado, ocupando o espaço, escondendo as minúsculas presenças. Eu avançava sem contrôle, batendo em outros corpos sem nenhum aviso. As palavras agora tinham outra vibração, aguda, estridente. Me veio à cabeça assobios e gritos. Aterrissei sob uma aspereza desagradável, dura, e ali eu comecei a secar. As sensações já não se sucediam umas às outras numa sequência, tudo era confusão e ansiedade. E foi ali, acima das ondas, asfixiando numa solidez, que enfim as palavras fizeram sentido. Tratava-se de uma profecia.
O vimos avançar tal o mastro de um navio, derrubando tudo sob o seu caminho, mesmos as árvores e as cabanas. Seus assobios, ou melhor, seus gritos, arrepiavam quem os ouvia. Sua cabeça era tão grande quanto um barril, e o seu corpo, da mesma proporção, se levantava acima das ondas numa altura considerável (1656, relato de viajantes nórdicos sobre a serpente marinha em Histoires Naturelles de la Norvège 1752-1753).
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