16 février 2016

Desilusão III

Nunca me esqueci do gosto daquela pizza. Era uma qualquer, mas ficou na minha lembrança, com o gosto amargo da separação. Ainda não tinha me dito nada, mas o meu amor era tanto, e tão fincado nos mínimos espaços, que só de te olhar, ouvir o som da sua voz – parecia que de alguma maneira misteriosa, ela chegava torta aos meus ouvidos - percebi que tudo acabaria alí. Aquele tinha sido um dos meus lugares prediletos. Um restaurante de gosto duvidoso, com uma comida boa, lugar pra sentar, ar condicionado, música ambiente, e um número infindável de sabores de pizza. Você pediu o de sempre, sem me olhar. Fixava o garçon, como se pedisse socorro. Queria acabar logo com aquela situação. Queria se livrar de um peso. Talvez fosse o meu desespero tomando forma, ocupando o espaço. Talvez empurrasse, de maneira imperceptível, as partículas de ar, que por sua vez, empurravam as suas. Comprimindo-o. O ar foi ficando espesso; entre nós dois um nevoeiro, quase não te via mais. Você parecia já estar no momento seguinte. Aquele em que abriria o jornal, tranquilamente, deitado na cama, sem pensar em nada. Eu alí, sentia que desaparecia. E comigo, todos os momentos vividos. Você continuaria a participar da realidade, seguindo em frente, e eu, aos poucos, me extinguiria. Eu tentava desesperadamente enxergar algum traço de tristeza, compaixão, ou complacência no seu rosto, através da massa branca de ar que pairava entre nós, quando o garçon chegou com a maldita pizza. Ele ainda não tinha aberto a forma de aço, meio amassada, que costumava segurar com uma mão só. Vinha sorrindo, como de costume. Distraído, assobiando, pensando na sexta-feira. Se movia com destreza, como se a realidade não comportasse nenhuma opressão, ou como se fosse capaz de agitar-se noutra dimensão. Nem precisou tirar a tampa da forma. Através do aço eu via aqueles bichos esmagando uns aos outros, pedaços de corpos de vermes se mexendo freneticamente, queimados pelo calor do forno de barro, tentando um útimo impulso inútil porque estavam grudados no queijo derretido. O garçon olhou pra mim, com olhos maliciosos, me oferecendo um pedaço, e você,  pairando em outro lugar, tirou o guardanapo vermelho de cima do prato, afastou os talheres, e esperou que algo acontecesse. Eu não pude assistir à cena. Fechei os olhos com toda a força que encontrei. Tão fechados, que já não podia mais ouvir o que acontecia à minha volta. Tão fechados, que foi como se eu entrasse dentro de mim mesma. De repente, desapareci. Pude percebê-lo, sentado sozinho numa mesa posta para dois, saboreando um pedaço de pizza do qual escorria um fio de queijo. Você nunca me pareceu tão satisfeito.           

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