As ruas
ainda estão desertas, o dia mal começa a raiar. Mas o calor já é denso,
presente. Parece que sabe que servirá de cenário. Caminho olhando para os meus
próprios pés. Sem coragem de olhar para frente, sem nada por dentro, como se
andasse nua da alma, apenas a minha sombra se finca na realidade, cada vez mais
evidente. Daqui a pouco inúmeras pernas cruzarão as calçadas, as ruas vão se
encher de verde e amarelo, pessoas aplaudindo, apitando, discutindo, dando
risada. Nessa hora espero estar bem longe daqui. Estas ruas são como minhas,
sempre caminhei por este asfalto e paralelepipedos. Mas daqui a pouco desejo não
pertencer mais a este lugar. Vou tomar um sonífero, acordar só no dia seguinte,
agir como se não tivesse acontecido nada. Talvez acendam a churrasqueira,
gargalhem tomando uma caipirinha, contentes em participar do “orgulho
nacional”. Como em jogo de Copa do mundo.
De onde
os observo, parecem inocentes. A alegria sempre parece inocente. E no fundo eu
gostaria de estar com todos os outros, assim como em jogo de Copa do mundo. Ainda
que acredite que de nada serve o orgulho nacional. Só cria problemas. Uma
bobagem. O mundo é instigante, saboroso, infinito para se atardar em qualquer
orgulho, seja ele qual for. Mas a primeira impressão não deve mascarar a
natureza dos fatos. Algo está para acontecer neste dia. Uma iminência fúnebre. Dali
a pouco retirarão um tijolo de uma parede mal construída. E o calor, como se
fosse um indício, anuncia o desabamento. No dia seguinte, não haverá mais nada
à que se fiar.
(E estas
pernas vestidas com as cores da bandeira, sentadas confortavelmente na frente
da televisão, ou agitando-se nas ruas, tomadas por um delírio frenético? Participam
da derrocada. Pisam em fundamentos já quase inexistentes.)
Um
passarinho cruza o ar viciado. Coitado, acaso da natureza, é verde e amarelo. Antes
fosse azul anil.
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