Através do feixe de luz, pequenas partículas de pó dançam, como se se
sustentassem no ar. Pensei : “ eu sou uma dessas partículas, nunca me encontro
num mesmo ponto. Nunca estou onde deveria estar.” Uma matéria imprevisível.
Incompressível.
Senti pelos meus pais. Sempre me procurando alí onde eu não estava. Por
vezes, tomados pelo sentimento de amparo, desabafavam “aqui está”. E no momento
seguinte, escapulia. Sem que percebessem. E mais uma vez deviam dizer a si
mesmos : ”onde essa menina guarda o seu coração?”.
Pequenos indícios de matéria, transitando de um lado para o outro.
Impossível segurá-los com as mãos.
Outro dia ouvi uma mulher contar a sua experiência da morte iminente. Um
momento de plenitude, um conforto inesperado. Quais podem ser as possíveis
razões da existência? A matéria, esta que conhecemos, exposta às provas, às
peculiaridades de um estado, de outro. Ela diminui, dilata, evapora. Molda-se
pelo efeito do vento. Cai, ou encontra-se parada num mesmo lugar anos a fio.
Às vezes em que estamos, meu pai ou minha mãe e eu, num mesmo lugar,
lembro-me daquilo do que sou feita. Momentos que parecem ... como se
cortássemos o tempo em pedaços. Não são retalhos de uma grande colcha. Não dão
continuidade a coisa alguma. São quadros que valem pelo que são, no momento em
que acontecem.
Uma hora a poeira baixa. Sob o feixe de luz quase extinto, uma ou outra
partícula resiste à atração. Essa força desconhecida que impele em direção à
grande matéria, como se fôssemos magnéticos.
Afinal, algo terá valido mais a pena do que estes pedaços de tempo,
decerto esparços, mas completamente preenchidos pela matéria, plenamente envoltos
pelo coração?
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