Sentia a madeira, sólida e antiga, sob a palma de uma
das mãos. Descia devagar, cada perna fazendo o movimento necessário e
decomposto, como se mostrasse à uma criança como se desce uma escada. Todo esse
cuidado tinha uma só intenção : retardar ao máximo o fim da sensação que lhe
vinha da mão esquerda. Nesses momentos a cabeça se esvaziava dando lugar à um
prazer sem medida.
Repentinamente, e de maneira abrupta, sentiu o vento
formar o vácuo, e no instante seguinte puxá-la para o lado. Sem que se desse
conta, alguém tinha se aproximado e passado por ela à passos largos. Surpresa,
olhou para a frente e avistou o corpo que já partia, apressado, fazendo ranger
a porta da entrada. Tão contundente quanto a passagem do estranho, a sensação
de exterior sobreveio de uma vez. Tão forte. Ela vacilou, agarrou no corrimão,
fechou os olhos e parou no meio da escada. Os três andares se elevavam do chão
feito caracol. Ainda faltava um andar e meio para que chegasse até o térreo,
mas o efeito foi tamanho que não conseguiu dar nem mais um passo. Ficou
alí parada, num lugar onde ninguém parava. Exceto para dar passagem à uma
pessoa, que tomava o caminho inverso, ou quando o fôlego faltava, aquele espaço
só tinha conhecido a efemeridade. Respirou profundamente, uma, duas vezes. Tentava
a todo custo guardar a sensação que lhe assaltava. De um momento ao outro, as
escadas foram tomadas por um cheiro de chuva tão intenso, que a moça chegou a
pensar que o teto tinha misteriosamente se despregado do resto do prédio. Demorou
uns instantes para constatar que tudo permanecia no mesmo lugar. E no entanto,
aquilo que conhecia lhe pareceu, de súbito, distante. Apenas o homem já se tinha
ído, a porta se fechara num estrondo devido à corrente de ar. O cheiro de chuva
já desaparecia. Pensou na veemência de uma tempestade, no estardalhaço dos trovões,
no alvoroço da ventania. Depois pensou no reconforto da terra molhada. O homem
que passou por ela é que cheirava chuva. Feito raio.
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