17 mai 2017

contos e confissões

Me interesso pelas histórias que contam por aí. As autênticas, histórias cheias de ficção e personagens imaginários, cenas, ápices ou clímax, uma multiplicidade de enredos, o rítimo da invenção e a boa escrita. Ou, por vezes, uma escrita mediana, e uma boa história. Mas também me interesso pelas outras histórias. Aquelas, reais, sobre os acontecimentos que se estendem na realidade. Supostamente mais objetivas. Histórias “sólidas”, em comparação com as histórias que contamos uns aos outros, que também se sucedem no tempo. No fundo, gosto de ouvir histórias, contadas ou confessas.
Em algumas situações, como no ônibus, hoje de manhã, essa distinção parece tênue. O homem, sentado num banco alto, ao meu lado, falava ao telefone :
- As coisas ficaram muito melhores assim. Não, não preciso de muita coisa. Estou te dizendo, me sinto infinitamente melhor. Sem preocupações, sem dor de cabeça, aqui estou, livre. É difícil aceitar no começo, mas depois, estou te falando, a gente se sente muito mais leve...
Ouvir essa história durante os poucos instantes do trajeto de ônibus me tocou. Sem saber, me permitia entrar em sua intimidade, e contava-me sentimentos profundos com uma voz grave, de quem sabe do que está falando. De alguém que acabou de completar uma travessia. Falava como se tivesse galgado um deserto. Saía dele cheio de sabedoria.
Mas logo em seguida – eu, escutado as suas palavras como se lesse um livro - adicionou :
- Não preciso mais me preocupar com nada. Economizo uns três mil. Você imagina, eu ando de ônibus e de metrô, gasto só com o preço do transporte por mês. Não preciso de um carro grande. Vendi. Estou livre. Estou acabando de pagar os impostos... você não pode imaginar como estou me sentindo bem. A tranquilidade se paga, meu caro.
O ônibus deu um solavanco, e eu caí na real. De boca no chão. Aquela narração não tinha nada de transcendente. Nada do que eu sempre achei que deveria ter uma história. Não passava de um amontoado de futilidades. Palavras que se estatelavam no mundo, indevidas. Poderiam nunca ter existido.    
Eis que, depois de uma curta pausa, o homem segue dizendo :
- Posso te garantir, a gente apaga muito mais rápido do que acende. Eu sei o que é, estou te dizendo que quando acaba, nos sentimos muito melhor. Você lembra? Quando a situação ficou ruim, eu fiz um monte de besteiras. Contraí dívidas, gastei tudo. Não precisava de nada daquilo. Agora, você imagina, estou realmente pagando a última parcela do imposto. Depois acabou. Eu sei que vocês estão numa situação delicada. Eu te digo, guarde um pouco, faça um esforço. Porque quando a coisa aperta, dá errado, não sobra nada. E nenhum dos seus antigos conhecidos vai se dispor a estender a mão...
Tudo aquilo ia muito além da banalidade de uma compra de venda. O homem contava a história da humanidade. A ascensão e a queda. O engano. A solidão. Uma bela história travestida de aparente frivolidade. Os exatos elementos que me satisfazem numa experiência literária.   

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