Me interesso pelas histórias que contam por aí. As
autênticas, histórias cheias de ficção e personagens imaginários, cenas, ápices
ou clímax, uma multiplicidade de enredos, o rítimo da invenção e a boa escrita.
Ou, por vezes, uma escrita mediana, e uma boa história. Mas também me interesso
pelas outras histórias. Aquelas, reais, sobre os acontecimentos que se estendem
na realidade. Supostamente mais objetivas. Histórias “sólidas”, em comparação
com as histórias que contamos uns aos outros, que também se sucedem no tempo.
No fundo, gosto de ouvir histórias, contadas ou confessas.
Em algumas situações, como no ônibus, hoje de manhã, essa
distinção parece tênue. O homem, sentado num banco alto, ao meu lado, falava ao
telefone :
- As coisas ficaram muito melhores assim. Não, não
preciso de muita coisa. Estou te dizendo, me sinto infinitamente melhor. Sem
preocupações, sem dor de cabeça, aqui estou, livre. É difícil aceitar no
começo, mas depois, estou te falando, a gente se sente muito mais leve...
Ouvir essa história durante os poucos instantes do trajeto
de ônibus me tocou. Sem saber, me permitia entrar em sua intimidade, e
contava-me sentimentos profundos com uma voz grave, de quem sabe do que está falando.
De alguém que acabou de completar uma travessia. Falava como se tivesse galgado
um deserto. Saía dele cheio de sabedoria.
Mas logo em seguida – eu, escutado as suas palavras
como se lesse um livro - adicionou :
- Não preciso mais me preocupar com nada. Economizo
uns três mil. Você imagina, eu ando de ônibus e de metrô, gasto só com o preço
do transporte por mês. Não preciso de um carro grande. Vendi. Estou livre.
Estou acabando de pagar os impostos... você não pode imaginar como estou me
sentindo bem. A tranquilidade se paga, meu caro.
O ônibus deu um solavanco, e eu caí na real. De boca
no chão. Aquela narração não tinha nada de transcendente. Nada do que eu sempre
achei que deveria ter uma história. Não passava de um amontoado de futilidades.
Palavras que se estatelavam no mundo, indevidas. Poderiam nunca ter existido.
Eis que, depois de uma curta pausa, o homem segue
dizendo :
- Posso te garantir, a gente apaga muito mais rápido
do que acende. Eu sei o que é, estou te dizendo que quando acaba, nos sentimos
muito melhor. Você lembra? Quando a situação ficou ruim, eu fiz um monte de
besteiras. Contraí dívidas, gastei tudo. Não precisava de nada daquilo. Agora,
você imagina, estou realmente pagando a última parcela do imposto. Depois
acabou. Eu sei que vocês estão numa situação delicada. Eu te digo, guarde um
pouco, faça um esforço. Porque quando a coisa aperta, dá errado, não sobra
nada. E nenhum dos seus antigos conhecidos vai se dispor a estender a mão...
Tudo aquilo ia muito além da banalidade de uma compra de
venda. O homem contava a história da humanidade. A ascensão e a queda. O
engano. A solidão. Uma bela história travestida de aparente frivolidade. Os
exatos elementos que me satisfazem numa experiência literária.
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