A menininha acordava
de madrugada, para tristeza dos pais. Às vezes era porque tinha um pesadelo. Às
vezes assim, sem razão. Não tomava muito tempo, vinha com seus passinhos pelo
corredor, empurrava a porta do quarto dos pais devagarinho. E quando a mãe
levantava, ela não dizia nada. Ia seguindo em frente, feito sonâmbula de olhos
abertos, até a sua cama. A diferença é que não dormia. Mas era só, não abria a
boca. Se pensassem bem, não tinham motivos verdadeiros para reclamar. Quantos
pais já não tinham ouvido, “a criança não volta pra cama, abre o berreiro, quer
leite quente”. Mas a mãe, acordada no meio do sono, saía com muito custo da
dinâmica do sonho em que se encontrava. Os passinhos no corredor se misturavam
aos acontecimentos oníricos. Nos dias de mais cansaço, levava um susto com a
presença da menininha feito assombração, do seu lado da cama.
Um dia, ouviu o
barulho dos pés descalços, mas o cansaço foi tanto que não conseguiu abrir os
olhos. Ficou esperando que a porta fosse empurrada, lentamente. Voltou ao sonho.
E como a porta tardava em abrir, um alarde materno forçou-lhe os olhos, para
que se espantassem. Viu a luz do banheiro acesa, se preocupou. Levantou de uma
vez, precipitou-se : a menininha estava sentada, fazendo xixi. Levantou a
cabeça, como se estivesse acordada, e olhou para a mãe, devido à sua
precipitação. Depois, voltou a fechar os olhos. E com os olhos fechados,
limpou-se, colocou a calça do pijama, e saiu andando em direção à cama. A
imagem da menininha que mijava dormindo comoveu a mãe. Então, vinha buscá-la no
meio da noite, depois de um pesadelo, porque sentia medo. Mas já era
suficientemente independente para fazer as próprias necessidades sozinha. Ainda
que o corredor estivesse escuro. Ainda que nem estivesse realmente acordada. E
no entanto, a cena daquela menininha sentada no vaso, com a cabeça se
desequilibrando de sono, iluminada pela luz estridente do banheiro às 3h47 da
madrugada, lhe pareceu a imagem da mais tenra idade. Tinha sido feita mãe para
acordar naquela madrugada, e ver aquilo. E ainda que a menina crescesse, saísse
de casa, desce a volta ao mundo, enquanto lembrasse da cena, saberia exatamente
o porquê de uma ser a filha, e a outra a mãe.
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