25 octobre 2018

Prece dominical

Esse é um período de perdas. Ainda não somos tão velhos para perder os amigos para a eternidade. Perdemos a familiaridade. Perdemos a clareza das estações, e o verdadeiro gosto do tomate. Perdemos a surpresa de experimentar a pasta de dente de outro país. Perdemos a autoridade parental. Perdemos a ausência de imagens. Perdemos o contorno das definições. Perdemos a tinta da caneta, a falta de inspiração do papel. Perdemos o bonde. Perdemos as diferenças entre gerações. Perdemos o fio da meada, os reflexos, as reflexões. Perdemos as linhas retas dos carros antigos. Perdemos o trema. Perdemos os detalhes das notas musicais. Perdemos a lentidão. Perdemos a rua sem saída. Perdemos as abelhas. Perdemos a distância. Perdemos os empregos. Perdemos a confiança. Perdemos os “ismos” e os “istas”. Perdemos o outro. Perdemos os fatos. Perdemos a memória. Perdemos a possibilidade de ser um perdedor.  
Uma voz comenta “perdeu porque teve! Não tivesse tido, não teria perdido”. Perdemos todos. A perda não é possessão em suspenso. É feita de matéria oca. Perdemos muito.  
Outra voz sussurra “perdemos para dar espaço”... Mas seguindo assim, feitos de tanta perda, há garantias que o espaço não se torne vão? E o vão não se abra num abismo? E o abismo, num grande buraco?

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