Surpreendentemente, às 7h13 da manhã de uma terça-feira, ao sair por uma
das portas automáticas do metrô, um cheiro familiar me veio às narinas. Tão
forte, e tão cheio de passado, que me obrigou a parar alguns instantes na
plataforma. À minha volta os passantes começavam a se agitar, imprimindo
movimento na amálgama que dalí uma hora tomaria os corredores, as portas, as
saídas, as escadas. Polvilho doce. Sabia da impossibilidade da proveniência do
cheiro. Não se tratava de uma padaria, ou quiosque assando massa. A amêndoa, a
manteiga, o pistache, a baunilha dormiam nos fornos daqui. Mas nenhum outro
ingrediente podia provocar em mim a nitidez de vinte e dois anos atrás. Na
época, passava por outros corredores, eram outras manhãs. A sensação térmica
participava da impressão de voltar no tempo. Ainda que não pudesse ver o céu, o
vento carregado de chuva atravessava os corredores. Muitas vezes já tinha
sentido o vento passear pelas entranhas do metrô. Isso mais me incomodava. O
frio subia pelas frestas da calça e do casaco, pela espinha, provocando
pequenos arrepios. Dessa vez tinha sido diferente. O estremecimento deveu-se às
lembranças. Tão profundamente enraizadas num canto do corpo, no limite do
esquecimento. Até aquele momento : tinham emergido de uma vez, chegado à tona
feito evidência.
Uma menina de mochila nas costas. O sol nas costas. Saíndo das entranhas
da terra, do ar viciado e condicionado. O calor da superfície lhe é
extremamente agradável. A mochila é vermelha, a calça verde, usa um rabo de
cavalo, talvez uma tiara colorida e sapatilhas chinesas pretas. Seus pés estão
a tocar o chão, os sapatos quase não tem sola. No pulso esquerdo um relógio
colorido, que ela pode montar e desmontar, segundo seus humores e preferências.
Tem uma carteira de borracha que fecha com velcro, e uma agenda grossa, cheia
de papéis de bala, bilhetes, fotos e adesivos colados, ou presos por um clips.
Mas quase nenhum compromisso. Olha as pessoas à sua volta, tem a impressão de
estar sempre no mesmo lugar. Vai e vem, e está na mesma saída de metrô, no
mesmo ponto de ônibus, nas mesmas ruas. Vive bem, não é extremamente feliz nem
extremamente triste. E suas felicidades e tristezas são simulacros das
verdadeiras felicidades e tristezas. Disso a menina tem certeza. Vive apenas um
ensaio, um esboço do que realmente lhe espera. Por enquanto, não tem obrigação
de ir à lugar nenhum, como se passeasse constantemente.
É comovente. À sua vista, temos os olhos humedecidos. Não sabe o que a
vida lhe reserva, mas espera tudo da vida. Um amor avassalador (sofrido,
melancólico, completo). Responsabilidades e horários. Descobertas. Tédio. O fim
da fantasia. Até um drama. Não pretende passar a existência sobrevoando e
observando, evitando a fadiga. Deseja ardentemente comprometer-se, intrometer-se,
se lambuzar. Está pronta para trocar este momento em que sai do metrô, com o
sol lhe esquentando a alma, a agenda vazia de compromissos por um lugar no meio
do pé-de-vento.
7h16,
terça-feira. Alguém esbarra nas minhas costas. A vida foi aquilo tudo. E a
única coisa que guardo na memória é a impressão que me deixou o cheiro familiar
do polvilho doce.
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