30 août 2019

O homem pomba

Estava ali, empoleirado, pomposo. Observava, quieto, como se fosse gavião. Não se sabia ao certo o que esperava, ou sobre o que rapinava, mas era só pose. Observado de perto, não passava de uma pomba de cidade, feia e suja. Devia cagar pelos cantos, porque cada um que lhe cruzava o caminho ficava com pena, deixava um pouco de comida. Ele, porém, não se mexia. Chegava-se até a acreditar que fazia parte da família das aves. Senão gavião, alguma ave de arribação. Ninguém mexia, ninguém nem ligava. Nem o dono da padaria. O homem pomba ficava agachado feito bicho na escada da porta lateral da padaria. Uns diziam que sentia frio, aproveitava da quentura do forno. Outros, que dali podia tirar uns trocados, as moedas de quem comprava o pão francês e pegava no batente. Dava umas 17 horas, o homem se encolhia. Seu casaco usado, furaco, tornava-se pluma. Seus pés desapareciam. Podia-se ver que possuía envergadura imponente. Da onde tirava tanta pompa era um mistério. Miserável homem que dormia toda noite na mesma esquina, envolto em sacos cheios de coisas, segurando um rádio de pilha sempre ligado. Talvez servisse de companhia. Dentro dos sacos, só tralha. Nada que fosse de uso cotidiano, nem que suprisse necessidades. Nem mesmo lembranças de outra vida. Tralha, feito sucata, feito lixo. E se levava o que não prestava, haveria de prestar, ele? Mas quando de relance se percebia a pose, naquele momento em que se transformava no homem pomba, era de se considerar com muito respeito.

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