22 février 2020

Estol

Imaginou o que aconteceria se ao acordar daquele sono breve e profundo, se desse conta que perdera tudo. Se acordasse e não encontrasse mais ninguém. Se não avistasse nada que lhe fora familiar. Talvez num primeiro momento ficasse em pânico. Ainda tentando achar algo que lhe dissesse alguma coisa - um indício, um sinal, uma forma conhecida - o sangue lhe subiria à face, os pés e as mãos formigariam, e ao tentar se levantar, as pernas vacilariam. Sentaria ali no meio do que agora já não significava mais nada. Cairia em pranto, tendo perdido as esperanças. Nenhuma pequena luz que pudesse lhe tomar as mãos dentro da caverna escura do tempo. Nenhuma idéia ou sensação que lhe projetasse em outro lugar, para além de onde se encontrava. Choraria. Primeiro, de maneira violenta, o corpo todo estremecendo, sacudindo, acompanhando barulhos e espasmos. Mas depois de um tempo as lágrimas tornariam-se cansadas e poucas. Secariam. Então o silêncio se imporia, majestuoso, fazendo com que esquecesse o próprio infortúneo. Fazendo até mesmo com que se esquecesse. Nenhuma sensação, mais nenhuma imagem, nenhuma dor.
Tudo seria então passado, ou nem isso, porque no silêncio o tempo também fica calado.
Mais tarde, num átimo, como por coisa divina, surgiria um instante. Pareceria o primeiro. Mas não teria significado algum. A brisa carregaria uns pequenos grãos, num ruído quase imperceptível. Nada de recomeço. Não seria outra coisa senão a realidade posta.   

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