O gigante confeiteiro
observa as montanhas cobertas de açucar. O bolo está quase acabado. Ele tem um
lago no meio, feito de gelatina azul, pequenos biscoitos amanteigados quase em
movimento, quase andando de um lado pro outro, montes de pão de ló, arbustos de
papel crepom, rodovias de creme de baunilha, uma floresta com troncos de
chocolate. O gigante confeiteiro trabalha meticulosamente; talvez sinta certo
amor pela sua obra. Detalhes tão pequenos, quase insignificantes, constroem a
realidade, fazem dela algo surpreendente. Mais tarde, ao fechar o maravilhoso
bolo numa redoma de vidro, o gigante pintará as paredes de branco de onde
cairão, esparsos, fios de açucar, ou algodão doce. Durante a noite, as
texturas, a acidez, a doçura, o amargor, os aromas se imprimirão nas formas,
acentuando a natureza dos ingredientes, criando novas possibilidades gustativas.
Antes do dia clarear o bolo, dentro da redoma de vidro, se tornará extremamente
saboroso, sutil. Depois que os primeiros raios de sol tenham iluminado os minúsculos
cristais de açucar, e que os grandes olhos tenham contemplado a sinceridade dos
elementos, delicadamente o gigante o transportará até a sala principal.
O gigante deixa o
bolo sozinho, apenas por algumas horas, enquanto fecha os olhos e deita o corpo
no cômodo ao lado, cansado do trabalho. Eis que surge o seu irmão. Ao espiar pela
fresta da porta, e bater os olhos no bolo, ele é tomado por um sentimento de
repugnância. Seu irmão confeiteiro tinha criado um novo mundo. Mais uma vez, um
de seus artefatos permaneceria no meio da sala, intocável, etéreo, tomando
vida. Sorrateiramente, ele aproxima a lâmpada do bolo. Ao sair, o corpo
desajeitado do irmão do gigante cria uma pequena ventania, que bate a porta do
cômodo onde o gigante adormeceu. Ele acorda num sobresalto, e sente o cheiro do
irmão. O gigante confeiteiro já sabe o que aconteceu.
Enraivecido, ele
escancara a porta, entra num estrondo. Os elementos já começaram a derreter sob
a luz intensa da lâmpada. Ele abre um pequeno pote, e recupera o conteúdo,
jogando o recipiente contra a parede. Com a grande palma cheia de açafrão, e
gestos frenéticos, o gigante espalha o pó sob todas as coisas. As cores se
misturam, o vermelho torna-se marrom, o verde dos arbutos torna-se marrom, as
montanhas se corroem, tornando-se montes de terra, soterrando lentamente todos
os outros comestíveis.
Ao vislumbrar mais
de perto a desagregação acontecendo num movimento inexorável, o gigante
confeiteiro tenta um gesto. Metade do bolo ainda permanece intacto, mas para ele
a situação já se apresenta como um desastre. Antes que tudo se transforme num
amálgama monocromo e disforme, ele enfia as mãos na matéria das coisas,
esmagando-as com os dedos compridos e imponentes. Os seus dedos tem a força de
cordas de aço. Ele sente os ingredientes se desfazerem pela força do próprio
corpo, mas a maciez e o odor agradáveis do artefato inacabado contradizem o ato
violento.
Uma extinção
precipitada. E no entanto, o gigante confeiteiro está certo de que ali, por um
curto espaço de tempo, deteve a combinação perfeita da existência.
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