A moça andava sempre em busca de algo mais do que uma atenção. Gostava quando parabenizavam-na, dizendo palavras como “encantadora”, “surpreendente”, “astuciosa”. “Mas o que isso tem de mais?” pensava. Todos gostam de ouvir elogios. E no entanto sabia que o que buscava era outra coisa. Uma espécie de amor. “E o que isso tem de mais?”, pensava. Todos estão à procura do amor. Mas não se tratava de um amor qualquer. Queria que os homens gostassem dela, não de um jeito trivial, ou do jeito que a maioria entende o amor. Queria tornar-se imprecindível. Que nada fosse mais possível sem a sua presença. Que não pudessem mais comer nem dormir. “E isso, tem alguma coisa de mais?”, pensava, tentando descobrir se possuía uma faísca de loucura. Se a tinha, era pouca, porque no fundo o que desejava sem saber era que a reconhecessem. Não esse tipo de reconhecimento corriqueiro, artístico. Necessitava que um homem, pelo menos um, algum dia, olhasse para ela, vendo-a completamente, e tivesse a sensação de chegar exatamente ali onde deveria, para lhe dizer “conheço-a, e aqui estou vendo-a mais uma vez”.
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Tinha morrido. Não o
conhecia, mas lembrava dele. A idéia movimentou-se durante todo o dia, em volta
dela. Ia e vinha. Lhe pegava no meio de uma tarefa profissional. Enquanto
preenchia números em casas no computador. O fato tomava lugar, repentinamente,
dizia a si mesma “morreu”. Então nada mais parecia ter importância, nem a
cadeira na qual estava sentada, nem o documento que preenchia, nem ir à
padaria, ou continuar o que tinha planejado para aquele dia. Porque podia
seguir organizando a existência, mas a morte não se planeja. Nem o suicida.
Pensa em possibilidades, mas não se trata de um projeto, e sim de um ato.
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Fim de ano setentrional :
cinema, vinho quente, esperança de um repouso merecido. O fim de ano se
assemelha curiosamente ao fim do ano passado, deduzidos um ou dois graus de
tensão. De dois anos pra cá, encontrar-se numa sala fechada com mais de quatro
pessoas tornou-se um desafio, ainda que se trate da própria sala de estar.
Países austrais poderiam instaurar o famoso churrasco de natal, não fosse pelo
sacrífico animal e danos causados pelos pastos à natureza. O fato de oferecer
presentes também é proscrito, o mundo contém objetos suficientes, novos objetos
só vem agravar uma situação, suficientemente complicada. Resta esperar que este
novo ano nos permita festejar o carnaval novamente, frequentar festas
abarrotadas (aproximando do meio século, tendemos a não participar nem de um
nem de outro). A realidade é que o ano seguinte se assemelha, de um ponto de
vista abrangente, ao anterior. E o anterior ao anterior. Felizmente, a
quantificação da realidade - horas que tornam-se dias, meses, anos, épocas -
nos impõe a ilusão de seguirmos numa direção, “em frente”. Qual não seria a
nossa surpresa se acordássemos no dia 01 de janeiro e percebessemos que mudanças
substanciais tivessem ocorrido? Na maioria das vezes acordamos apenas com dor
de cabeça. De um ponto de vista menos abrangente, na ínfima escala do
indivíduo, acontecimentos substanciais não respeitam quantificação. Fatos
importantes sobrevêm, e tem duração própria. A ausência de uma pessoa que se
ama pode durar uma existência. A tristeza de uma perda também. Acontecimentos
são substanciais porque engendram sentimentos fortes. São eles que desenham a
realidade do indivíduo, definem suas ações. Do ponto de vista abragente ou
individual o primeiro dia do novo ano se assemelhará ao anterior. E assim se
sucederão, ansiosamente semelhantes. Pode-se passar uma existência esperando
por acontecimentos substanciais. Ou tecê-la movimentando as mãos, o espírito, o
corpo. Porque se os sentimentos tem intensidade e duração próprios, e engendram
ações, pode-se supor que todo acontecimento é potencialmente substancial. Basta
sentir.
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