Outro dia, numa sala de cinema, senti imenso reconforto em ver a primeira cena de um filme iraniano. Tratava-se de um homem, sentado numa cadeira perto de uma janela, ou de uma varanda. Ele olhava para fora, e ouvíamos o barulho da rua. Algumas buzinas, um chiado contínuo, pessoas conversando, pequenos instantes de silêncio, o motor de um carro passando mais perto, o miado de um gato. Me dei conta que o que me reconfortava naquele momento não era a poltrona do cinema, nem a sala escura, nem a sorte de poder pagar um programa cultural, ou me encontrar numa capital européia, ou estar num lugar protegido do frio, da censura, de um conflito, ou a certeza de ter escolhido um bom filme. Era sim o barulho da rua. O barulho de um lugar distante, mas extremamente familiar. Percebi que este prazer discreto condicionava as minhas escolhas. Vinha achando que o fato de querer assistir apenas filmes de países estrangeiros se devia à idade. Mais longe fosse a procedência, melhor. Depois de incontáveis histórias hollywoodinanas, à medida em que envelhecia, buscava imagens do que provavelmente nunca conheceria. Imagens islandesas, israelenses, turcas, finlandesas. Mas naquele instante, ouvindo o barulho de fundo de uma rua de Teerã, soube que procurava algo além das imagens. Procurava o som do cotidiano.
Talvez aquilo não viesse de uma rua de Teerã. Talvez no campo da sonoplastia existisse um banco de sons, assim como existiam bancos de imagens. “Rua de uma cidade média do Oriente Médio”, “rua de uma cidade do Oriente Médio com animais”, “rua de uma cidade do Oriente Médio misteriosa”. E o barulho que ouvia viesse, na verdade, de uma rua que me era conhecida. “Rua – cidade”. Ou, ainda mais simples “cotidiano – janela”.
Alimentava uma ilusão. Independentemente do que aconteceria no filme, e de como os personagens seriam jogados de um lado para o outro, vivendo experiências extremas, no fim seria sempre possível se sentar perto da janela ou da varanda, e ouvir o barulho da rua. E é exatamente o que acontece no filme. O senhor, um velho, aparece nessa primeira cena, fumando um cigarro e ouvindo o barulho da rua. E no fim, volta à sentar-se na cadeira, ouvimos o barulho da rua, mas ele já não é mais o mesmo senhor. Ele é terrível, morre ali mesmo sentado na cadeira, e nem conseguimos sentir muita pena pelo fim de sua existência.
Eu gostaria que as coisas se dessem assim. Que a realidade pudesse, apenas pela força de um som familiar, tornar-se um momento plácido e definitivo. O som do cotidiano, deste cotidiano que procuro e que me reconforta, é feito do prazer de poder ir ao cinema, de me abrigar do frio, dos conflitos, da censura, numa capital européia, assistindo imagens de lugares que me são estrangeiros e prazerosos como uma ficção. Mas o som do mundo é outro, selvagem e inquieto.
Aucun commentaire:
Enregistrer un commentaire