03 avril 2023

Cadarços

Andava a poucos passos à minha frente, eu logo a percebi, porque as pontas de seus longos cadarços faziam um barulho quando batiam no chão. Eram de cor vinho, enlaçados num par de tênis de couro. Dançavam. Iam para o alto e para os lados, sem respeitar nenhuma regra aparente. Pareciam participar de alguma comemoração. Logo me afligi. Andava decidida, e rapidamente. De tamanho desproporcional, os fios aumentavam as chances da mulher pisar num deles com o pé oposto. Não havia outra saída para a situação, toda a energia que usava para se movimentar participaria à violência da queda.

Mas como era possível que andasse tão certamente sem perceber que estavam desfeitos? Olhava para o alto, sem tempo a perder. No entanto a situação era clara : dali a muito pouco ocorreria o inevitável. E ainda assim, se não prestássemos atenção nos seus pés, a mulher parecia intocável. Uma dessas pessoas que não se submete a destino algum. Tive ganas de avisá-la “olhe bem, as coisas não são assim. Cedo ou tarde todos acabamos nos curvando, todos acabamos cedendo. O melhor que tem a fazer é suavizar a queda”. Mas ela continuava avançando.

Quando finalemente decidi abordá-la, já estava longe. Me surpreendi com a distância entre nós duas, e com o fato de ainda estar de pé. Os cadarços tinham se tornado invisíveis. Fiquei para trás da catraca, a admirar o feito.     

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