Estava parado,
porque três vezes tinha tido a possibilidade de entrar num vagão, e não o fez. Tentou
percebê-lo sem se mexer, mas a pessoa se punha uns centímetros para trás.
“Propositalmente”, pensou. Continuou sua atividade, não podia fazer muito, mas
se preparou.
Puxava o fio
com o dedo indicador. Não era realmente puxar, mas empurrar o fio. Tudo dependia
da tensão que conseguía criar entre o novelo, o fio que passava pelas costas e
o movimento das agulhas. E claro, o dedo indicador. Parecia tecer uma roupa de
criança, mas as cores eram discrepantes, um azul turquesa misturado com
laranja. Seria possível que tivesse novelos de outras cores numa das três
sacolas? Também a forma era misteriosa, mas isso é comum, toda pessoa que
tricota sabe que as mais estranhas formas podem resultar numa bela peça. Em
nada lhe encomodava o vai e vem dos passageiros. Quando o metrô demorava um
pouco mais, e o corredor ia se enchendo, apenas puxava as sacolas para si. Ou,
quando a vista ficava cansada, levantava a cabeça uns instantes para observar
os belos cortes e casacos de lã. Iam, frescos, ao trabalho. A fricção dos panos
e o barulho dos sapatos ocupavam o espaço. As portas se fechavam com força, no
sinal estridente. O azul aos poucos foi ficando mais aparente, mas a forma
seguia misteriosa. Às vezes acontecia do seu olhar ir um pouco mais além, e
então era como se visse o que já não estava mais em lugar algum.
O que lhe
desagradava eram esses corpos que paravam ao seu lado. Eram insistentes,
curiosos. Lhe acuavam como se a fechassem numa bolha. Tinha encontrado solução
para alguns problemas como o desconforto das cadeiras de plástico, ou o peso de
seus pertences. Mas quando atardavam o olhar, seu cabelo se tornava mais
emaranhado, seus sapatos mais sujos, percebia o próprio cheiro. Sempre tinha
preferido o movimento à inércia.
Acontecia de
falarem com ela. Não os ignorava, não suportavam que pessoas na sua situação
não lhe dessem ouvidos. Mas não respondia. Apenas exibia um sorriso, sem mostrar
os dentes. “Onde estão seus familiares? Não é possível que não tenha ninguém!”.
“Se a senhora se esforçar, Deus virá em seu socorro, mas deve ter a fé
verdadeira. Ele nos põe à prova”. “Já procurou a Cruz Vermelha?”. “O melhor que
tem a fazer é conseguir um emprego, não pode ficar esperando que as coisas
aconteçam”. Contentava-se em balançar a cabeça numa afirmação, até que num dado
momento, sem contrapartida, acabavam indo embora.
- Desculpe
atrapalhar. Pode me dizer o nome do ponto?
Dessa vez,
virou a cabeça. A voz soou grave. Era um homem de terno, cabelo ralo, segurava
uma maleta preta.
- Desculpe.
Gostaria apenas de saber que ponto usa.
- Ponto arroz.
Disse isso
alto, porque o homem falava baixo.
- Pode fazer
mais devagar? Se encomoda se eu observar?
- Sabe
tricotar?
O homem se inclinou,
mas não saiu do lugar.
- Só ponto
meia. Foi o meu terapeuta que indicou, para remediar a angústia.
Retomou as
agulhas, e se concentrou em fazer grandes e lentos movimentos com o fio e o dedo
indicador.
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