12 novembre 2012

Trivialidades


Naquele dia, no exato momento em que abriu os olhos, soube que não se trataria de um dia especial. Aquele seria um dia dos mais infâmes e comuns que podem existir na vida de uma pessoa. Nada de notícias surpreendentes, sentimentos extraordinários e transcedentais, ou lugares exóticos. Nem mesmo o prazer de uma familiaridade qualquer, embalada em conforto e segurança, e papel de seda. Pensou se valia realmente a pena sair da cama, mas logo se deu conta que para se viver um dia banal, não poderia se perder em considerações existencialistas ou impressões essencialistas… Deveria apenas deixar-se levar pelo fluxo da vida, pelas necessidades fisiológicas e pelas regras sociais.
Assim, abriu os olhos porque os primeiros raios de sol atravessaram a cortina do quarto, e porque o despertador se pusera a tocar, alarmado. Levantou, porque exatamente às 6h45 deveria estar embaixo do chuveiro, e às 7h00, deveria estar vestido. Fugindo um pouco à regra, pensou que tirava certa vantagem em existir segundo a banalidade de um dia qualquer : economizava a alma e o pensamento. Sem escolhas, sem responsabilidades, sem a consciência de necessidades morais e das vicissitudes inevitáveis à existência, alí mesmo onde gostaríamos de descobrir os meandros do destino, infundados apenas em aparência. Ademais, encontrar uma razão para existir, fundamentar os próprios atos numa legitimidade, exigiam um esforço considerável. Pior : muitas vezes viver tentando evitar a infâmia resultava mais em dúvidas do que em certezas. Ou seja, além de « gastar » a alma e a própria sensibilidade, o resultado de tais esforços era irrisório (nunca tinha chegado à nenhuma verdade fundamental, pelo que sabia). E se surpreendeu com a própria tolice ; como não havia pensado antes em viver segundo as regras da vulgaridade? Porque insistia nessa incansável e estúpida mania de profundez ?
O cheiro do pão torrado com café quente instigara as razões do próprio estômago, rechaçando as últimas questões existencialistas que lhe atravessariam o espírito até o instante em que cessaria de respirar. As vantagens da infâmia, misturadas aos espasmos fisiológicos causados pelo café da manhã, lhe pareceram tão límpidos e absolutos, que à partir do momento em que passou pela porta, ele nunca mais conseguiu usar de sutileza, ou profundidade novamente. Aquele dia tinha lhe parecido um dos mais banais, mas foi, na realidade, o momento fundador de uma existência extremamente e incontestavelmente vazia.


1 commentaire:

Anonyme a dit…

Eu vou ficar muito, muit, muito feliz no dia em que você resolver um livro. De preferência com muitas páginas....